Por: Gunter Zibell
O politicamente correto (PC) tem mais de uma definição e por uma não é algo ruim. Ofereço uma visão resumida que não dispensa a leitura dos links abaixo:
http://revistaforum.com.br/idelberavelar/2011/04/04/as-origens-da-expressao-politicamente-correto/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Politicamente_correto)
1. PC é um apelido inventado originalmente por comunicólogos conservadores de língua inglesa (principalmente EUA mas também RU) para tentar desmobilizar movimentos sociais. Que acabou se espalhando pelo mundo com variações. A ideia é associar reivindicações para redução de preconceitos ou igualdade de direitos a “chatice”, “patrulha”, “policiamento”, “exagero”, o que passa uma conotação de ruim, criando assim uma “falácia do espantalho”. Isto é, as pessoas alheias ao processo o veriam através do espantalho e passariam a questionar os movimentos sociais, tendendo a dar razão aos mais conservadores. Busca-se fixar no espectador o foco em “mimimi” e não na racionalidade e justiça da reivindicação original em si.
Para isso são também criadas lendas urbanas, como a de que haveria um “index” de palavras que as pessoas deveriam deixar de falar e outra lista do que seria “correto” falar. E construções que beiram a paranoia, como a suposta existência de “feminazis” ou de “máfia gay”.
Nesse sentido, PC é mais comumente referenciado de modo negativo por colunistas neocon ou humoristas que insistem em recorrer a preconceitos. Na maioria das vezes, portanto, é “direita” quem é mais incomodado pelo PC. O uso prático na política é: “o governo via MEC apoia a reividicação da IARA sobre Lobato” > “essa reivindicação é PC” > “logo, o governo faz algo errado (reprime, censura, exagera)”.
[Também é possível observar quem defende, e em que circunstâncias, o que seria “Politicamente Incorreto”. Sempre serão colocações preconceituosas ou conservadoras que precisam desvalorizar o PC para se apresentar. O que pode levar a definir PC pelo seu espelho, que é, infelizmente, bem real e consubstanciado.]
2. Mas há pessoas socialmente sensíveis, artistas, escritores, etc, que também se referem a PC de modo negativo. Alguns compraram a ideia fantasiosa de que PC significaria “censura à liberdade de expressão” ou “desrespeito à história” (partes do espantalho construído), e quem é sensibilizado pela existência de censura de “verdade”, que realmente houve no passado, pode cair nessa. Mas PC é apenas o exercício da crítica, e não pode nunca significar censura, já que movimentos sociais justamente dependeram do fim da censura e da liberdade em relação ao discurso da maioria para aflorar!
Só que, com esse discurso da “liberdade de expressão” (e já virou super-chavão citar Voltaire nessas horas), há quem defenda que coisas flagrantemente ilegais, como discursos de ódio (racistas, xenofóbicos, homofóbicos, sexistas e/ou antissemitas e islamofóbicos) sejam permitidos. E conseguem convencer quem “caiu nessa”, do modo bizarro que vemos hoje: pessoas bem sérias contrárias à remoção de páginas de disseminação de ódio na internet (ou comunicações similares.) Até cair a ficha que bife à milanesa não é bife ali na mesa demora.
[Atenção: há situações, novamente em humor, onde sátiras ao conservadorismo ou ao pensamento preconceituoso requerem a exacerbação do que se poderia chamar “incorreto” (que se torna o ridículo.) Mas, pelas intenções e emissores das mensagens, e pelas mensagens em si, é possível captar que se trata de algo positivo e estas não devem ser confundidas com o “politicamento-incorreto-que-desmonta-o-PC”. Talvez “Os Simpsons” sejam um exemplo.]
3. Por outro lado, ainda há um grupo, relativamente pequeno e (supostamente…) ideologicamente de esquerda, que pode não gostar do discurso PC porque ele tende a levar que alguns conflitos sociais pontuais, como as discriminações, sejam resolvidos no âmbito da sociedade capitalista socialmente responsável. É que por algum tempo, no mundo ocidental fora do socialismo real, causas feministas, de homossexuais ou de ecologistas, ou mesmo modismos, foram conduzidas mais frequentemente do que não por partidos à esquerda no espectro político.
Mas a partir do momento que o “mainstream” assimila tais causas, momento em que deixam de ser “questão de classe” (e aqui não incluiremos as causas raciais, de evidente recorte social), não somente deixam de ser aliadas preferenciais, como subvertem o raciocínio de que todas as discriminações deveriam esperar primeiro a superação do capitalismo (ou contar com isso) para serem superadas. Como a igualdade de gêneros e de direitos por orientação sexual se revelaram absorvíveis pelo discurso capitalista (ou social-democrata) convencional, assim como a não discriminação por religião e algumas outras coisas mais (como cuidados com saúde, defesa de animais e de meio-ambiente), o que tivemos? Que discursos PC tornaram-se incômodos também para esse grupo e algumas variantes de “realpolitik”.
[E… Algum ciúme pela perda do monopólio no discurso da correção também pode representar algum papel…]
4. Há ainda, independentemente de ideologia, pessoas que misturaram tudo o que leram, citações que receberam, e atribuem ao PC o caráter simbólico de “boas maneiras exageradas” e até de repressão à liberdade de comportamento! Não são incomuns frases no cotidiano como “eu sei que não é politicamente correto falar o que vou dizer mas…”, “essa turma do politicamente correto não me deixa fazer isso ou aquilo”, “é bobagem do PC chamar favela de comunidade ou velho de idoso”, “agora vão querer me obrigar a ser veado” (esta dita em pretenso humor) ou mesmo “os PC atrapalham o progresso” (referindo-se a direitos indígenas) ou ainda “eu não sou PC para defender menor delinquente”. Quase como se PC fosse um inimigo da contracultura, da franqueza, da individualidade, do desenvolvimento ou da ordem! (o que é até absurdo posto que alguns usos contradizem outros.) Como se PC fosse algo destinado a justificar a falsidade, o arcaísmo e a construção de um imaginário “certinho” e reducionista (em uma inversão de valores em relação à proposta original, mas no fim conveniente para o mesmo “espantalho”.)
Para cada um desses exemplos seria possível argumentar que evoluções linguísticas, sociais ou de comportamento não foram determinadas por uma “entidade PC”. A evolução das maneiras e de linguajar é socialmente determinada pela presença relativamente maior de pessoas preocupadas com algumas coisas, quer seja a não-discriminação como a defesa de valores além dos sócio-econômicos, na interação social. Para entender isto visualize-se uma turma de estudantes numa faculdade renomada em 1970 e em 2010.
Enfim, para todas essas visões, que vemos na imprensa, na radiodifusão, na internet e no cotidiano, politicamente correto é “algo da esquerda chata”, “algo repressor”, “algo da direita conspiradora”, “algo hipócrita”.
Mas, como é possível algo que sequer existe fora do imaginário construído, posto que não há organização social ou indivíduo que se declare “politicamente correto”, representar tanta coisa? É porque passou também, através de um processo linguístico, a significar simplesmente “aquilo que me incomoda”.
As pessoas não se preocupam em definir PC ou em buscar sua definição, usam para qualificar negativamente qualquer crítica que não gostariam de receber (a si ou a algo que defendam), como a tentativa de buscar de antemão um álibi para falar aquilo que sabem que não deveriam falar. De qualquer modo, o uso mais comum (e intencional) ainda é o original, a tentativa de desmobilizar demandas sociais associando-as a algo visto como negativo.
5. Mas que definição poderia ser positiva? A percepção de que Politicamente Correto simboliza um espírito da época, ou sinal dos tempos (como até aventado no primeiro texto citado inicialmente.) Algo bom o bastante para receber tantos ataques daqueles que querem resistir às mudanças. Pode englobar: a justiça social, o respeito a minorias ou vulneráveis (grupos não necessariamente minoritários), a política transparente, a atualização em maneiras no convívio, a superação de dogmas, a recusa ao conservadorismo. De modo geral, aquilo que for atacado como sendo PC é a evolução. Ou verdades inconvenientes (e não há nada mais injusto que chamar o PC de discurso pela “conveniência”.)
Desse modo, se para muitos PC representa “algo que incomoda”, mais provavelmente significa, na realidade, ainda que não utilizado assim pelas pessoas, na comunicação e linguagem, “aquilo que ainda deve mudar”. E mudará. No entanto, como muita gente chama de negativo algo que no senso comum deveria ser tido como positivo, o verdadeiramente correto é nunca usar a expressão “politicamente correto”.
[Nota: o autor, isto é, eu mesmo, é alguém que não se sente nem um pouco constrangido ao ser chamado de “politicamente correto”, “patrulheiro”, “bom-mocista” ou o que for na linha. Quando isso acontece, considera que se aproximou do alvo pretendido.]
E mais pode ser lido nos seguintes posts:
http://advivo.com.br/blog/luisnassif/preconceitos-preconceitos-e-preconceitos
http://advivo.com.br/blog/luisnassif/espelho-meu-quem-e-mais-politicamente-correto-que-eu
http://advivo.com.br/blog/luisnassif/manifesto-de-um-chato
http://advivo.com.br/blog/luisnassif/perder-a-piada-e-preciso
http://advivo.com.br/blog/luisnassif/cada-um-oferece-o-que-tem