Abaixo segue um artigo de Reinaldo Barros Cicone que discorre sobre a lei federal n.8213/91 ,regulamentada pelos Decretos de 99 de 2004 que em seu artigo 93 determina que as empresas com número de 100 empregados ou mais disponibiliza vagas para pessoas com deficiência.
Vale a pena a leitura.
Lei de Cotas – 25 anos de lutas!
No último dia 21 de julho estive no lançamento do livro Relatos da Inclusão – Trabalhadores com deficiência no setor metalúrgico de Osasco e Região dos amigos do Espaço da Cidadania, na Sede do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco. Era mais uma das comemorações da semana em que se completam os 25 anos da chamada “Lei de Cotas” que obriga as empresas a contratar pessoas com deficiência. Destaquei o “obriga” pois é justamente disso que trata este texto. Seria correta esta determinação legal? Esta lei pegou? Está sendo cumprida? O país precisa dela?
Em setembro do ano passado foi lançado outro livro, também organizado por Carlos Clemente (que aparece comigo na foto), coordenador do espaço da Cidadania, vice-presidente do Sindicato, formado em administração de empresas e em ciências do trabalho pelo Dieese, e pela psicóloga e mestre em Educação pela USP, Sumiko Shimono. Neste livro, Trabalho de pessoas com deficiência e Lei de Cotas, os autores desmontam quatro dos principais argumentos das empresas para não cumprirem a lei de cotas. São eles:
- Não há pessoas com deficiência em número suficiente prevista pela lei;
- A formação das pessoas com deficiência é incompatível com o mercado de trabalho;
- As pessoas com deficiência preferem receber uma “bolsa”
- Em muitos postos de trabalho há riscos que impedem a contratação.
O que chamamos de “Lei de Cotas” na verdade é a Lei 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências, depois regulamentada por Decretos de 1999 e 2004. Em seu artigo 93 define que empresas com mais de 100 empregados devem preencher entre 2% e 5% de suas vagas com pessoas com deficiência ou reabilitados.
Os argumentos dos autores, baseados em dados objetivos, e minha própria experiência profissional dos últimos anos permitem entender melhor a realidade brasileira. Vejamos:
Segundo os dados do Censo do ano 2000, sistematizados pelo economista formado pela Unicamp, Vinícius Gaspar Garcia, é possível saber que no Brasil – considerando apenas as pessoas que “disseram ter total ou grande dificuldade em enxergar, ouvir ou caminhar/subir escadas (incluindo também os que disseram ter “deficiência mental”), nos termos do questionário utilizado pelo IBGE”, entre 18 e 60 anos, existiam mais de 6 milhões de pessoas com deficiência. Destes, 31,5% possuíam deficiência intelectual ou mental, 29,6% deficiência visual, 26,9 % deficiência física e 12% deficiência auditiva.
Em 2015, eu atualizei estes dados com base no Censo de 2010 e cheguei aos seguintes números, ainda mais impressionantes.
Considerados apenas os casos de deficiência total e intelectual ou mental, seriam 2,6 milhões de pessoas. Considerando apenas casos de deficiência total ou severa, temos mais de 9 milhões de pessoas no Brasil, ou seja, 7,1% da população nesta faixa etária.
Não se trata, portanto, da ausência de pessoas com deficiência, mas de má vontade de muitas empresas em acolher este público.
Conversei com dezenas de dirigentes e responsáveis pelo RH nos últimos anos. Dois exemplos são suficientes para resumir boa parte das conversas. Uma empresa, com quase 3 mil empregados, precisava contratar 110 pessoas com deficiência e pediu ajuda ao CAEP (escola que eu coordenava e que assim ajudava a contratar e capacitar os candidatos). Os responsáveis tinham entrevistado 300 pessoas, mas só conseguiram contratar 14. Ou seja, a empresa considerava que menos de 5% dos interessados atendiam às suas exigências. Quais seriam os critérios utilizados? Uma outra empresa, com 80 mil empregados em todo o Brasil, deveria contratar 4.000 pessoas. Tinha em seus quadros menos de 80 pessoas com deficiência, ou seja, apenas 1 em cada 1.000 tinha alguma deficiência. Creio que não se consegue uma exclusão assim sem muito esforço.
Outros dados encontrados no livro são ainda mais gritantes. Foi feito um levantamento das vagas ofertadas por cem empresas ao SINE, Sistema Nacional de Emprego, do Ministério do Trabalho. Nas vagas para pessoas com deficiência visual encontramos a exigência de que os candidatos enxerguem com um dos olhos em 50,5% das solicitações, ou enxerguem mesmo com dificuldade em 48,9% das solicitações. Apenas 0,6% das vagas ofertadas poderiam ser ocupadas por quem realmente não enxergava. Ou seja, temos vagas para cegos, desde que enxerguem!
Nas vagas para pessoas com deficiência física, os candidatos deveriam se locomover sem cadeira de rodas em 62,2% ou não poderiam usar muletas em 22,8% das solicitações. Para as vagas para pessoas com deficiência auditiva, candidatos precisavam ter perda auditiva moderada, ou seja, precisam ouvir, para 62,5% das vagas.
Tudo somado e subtraído, cumprir a “Lei de Cotas” significaria a contratação de aproximadamente 900 mil vagas, o que representa menos de 10% da população com deficiência no Brasil, apenas na faixa etária de 15 a 64 anos. Em 2010 estavam contratados no Brasil 316 mil pessoas com deficiência, ou seja, aproximadamente 35% da cota prevista em Lei, ou 3% das 9 milhões de pessoas com deficiência. Percebemos, portanto, que não é a falta de pessoas com deficiência que impede as contratações, mas a ausência de uma política de inclusão por parte de muitas empresas.
Outro argumento é a falta de qualificação das pessoas. Os dados do Censo e da Rais (Relação Anual de Informações Sociais), também apresentados no livro, ajudam a derrubar este mito.
Existem no país mais de 10 milhões de pessoas com alguma deficiência que já completaram o ensino médio ou a faculdade. Só os que têm nível superior são suficientes para preencher três vezes as vagas definidas pela lei de cotas.
O terceiro argumento diz que as pessoas com deficiência preferem receber uma “bolsa” do governo. Não é bem assim.
Para ter direito ao Benefício de Prestação Continuada, é necessário: a) Passar por avaliação médica e social; b) Ter renda bruta mensal familiar per capita inferior a 1/4 do Salário Mínimo; c) Não possuir outro benefício.
Nesta condição, existem no Brasil 1,5 milhão de pessoas atendidas pelo BPC com idade entre 19 e 64 anos. A Lei 12.240/2011 permite: a) Suspensão do Benefício em caso de contratação, e retomada automática em caso de rescisão (antes o benefício era cancelado); b) Acúmulo no caso de contratação como Aprendiz.
Entretanto, na prática, em dezembro de 2014 apenas 253 beneficiários estavam registrados como Aprendizes e, no total, desde a promulgação da Lei até dezembro de 2014, apenas 775 pessoas que recebiam o benefício foram contratadas.
Finalmente o quarto argumento: em muitos postos de trabalho há riscos que impedem a contratação destas pessoas. Outro fantástico livro, de 2011, Construindo a Inclusão da Pessoa com Deficiência no Trabalho, do médico do trabalho e auditor fiscal e coordenador do Programa de Inclusão da Superintendência de São Paulo do Ministério do Trabalho, José Carlos do Carmo, mostra inúmeras experiências de inclusão em áreas de risco.
Além disso, pesquisa do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco em 2015, categoria que atende mais do que a cota legal prevista na região, recorde no país, mostra dezenas de experiências inclusivas. No setor existem fundições, forjarias, caldeirarias, fábrica de autopeças, máquinas e equipamentos, entre outros. Ou seja, não é o tipo de atividade que impede a contratação, mas o preconceito.
Então, o Brasil precisa da Lei de Cotas?
Inúmeros outros países como Alemanha, Argentina, Áustria, Bélgica, Colômbia, El Salvador, Espanha, França, Holanda, Honduras, Irlanda, Itália, Nicarágua, Panamá, Peru, Portugal e Reino Unido também tem cotas e outros mecanismos que obrigam a contratação de pessoas com deficiência por empresas ainda menores, e em percentuais maiores, dependendo de cada caso.
A lei aumentou muito a inclusão. Quem de nós, 15 anos atrás, imaginaria ser possível ver pessoas com deficiência como protagonistas de novelas? Quem imaginaria que, em tão pouco tempo, teríamos tantos ônibus acessíveis, calçadas com rampas e pisos táteis em todas as grandes cidades? Vagas exclusivas e adaptadas em estacionamentos, ônibus, metros e cinemas?
Percebemos que a sociedade está mudando, mas muitos empregadores ainda não. Notamos uma enorme resistência de empresas que poderiam fazer sua parte. Preferem gastar mais energia pressionando deputados e senadores pela mudança da lei ou pagando advogados contra as multas do que buscando soluções para inclusão.
Temos uma tradição ainda escravocrata, com ideal de pessoas brancas, de boa aparência; uma tradição de desigualdade. Muitos ainda comemoram a segregação em elevadores sociais e de empregados. Temos ainda uma cultura que não valoriza a solidariedade, mas a competição.
É preciso enfrentar o preconceito em todos os setores. Por isso, acredito que a Lei de Cotas seja um instrumento mais do que necessário. Precisa ser cumprida e a exclusão combatida pela mudança de comportamentos e através de instrumentos ainda mais abrangentes, como a Lei 13.146/15, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), aprovada em 2015.
Adorei sue blog. Leio suas matérias, tirou muitas das duvidas que tenho e que muitas das vezes as escolas não respondem. bjs
Maiara Mendonça! Obrigada!
Oi Sônia, obrigado por compartilhar.
Abraços.
É um prazer Reinaldo.
Os leitores do blog é que agradecerão porque sempre divulgo ou discuto questões sobre inclusão!
Abraços!!