Expulsão de aluno autista chega ao STJ
As palavras acima, retiradas das ementas de decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT), mostram como o Judiciário vem avaliando atos praticados pelo Colégio Logosófico Gonzales Pecotche em 2014. Naquele ano, o Colégio expulsou um aluno autista, no caso, meu filho. A escola cancelou sua matrícula no meio do primeiro semestre, poucos meses após o ingresso da criança na escola e algumas semanas após o recebimento pela família e pela instituição da notícia que o aluno estava no espectro autista. O fato foi amplamente noticiado pela imprensa nacional.
O processo iniciado em 2014 com trânsito da sentença em julgado em maio de 2018, condenou a escola logosófica ao pagamento de indenização por danos morais causados à criança. Essa sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça. A ementa do acórdão mostra, em termos didáticos, as diversas atitudes contrárias ao Direito que foram tomadas pela instituição de ensino, servindo de guia para casos semelhantes.
A decisão judicial considera que a atitude correta de uma escola com um aluno de comportamento atípico é encaminhar a tratamento especializado e viabilizar sua inclusão. Repita-se, diante de comportamento que foge ao padrão, a escola deve promover a inclusão da criança ou adolescente adequado o ambiente às necessidades educacionais diferenciadas do aluno. A resposta de uma instituição de ensino a uma situação especial é um acompanhamento especial. Nas palavras da própria decisão do TJDFT, a escola falhou ao não proporcionar ao aluno o tratamento especializado, sem discriminação na sala de aula.
A exclusão do aluno do ambiente escolar é ato ilícito, sendo atitude discriminatória nas palavras do TJDFT. A decisão nota também que o argumento usado para a exclusão é justamente o comportamento que tem origem na condição diferenciada do aluno: a chamada síndrome de asperger, uma forma leve de autismo.
Uma das alegações da escola no processo seria de que não havia sido notificada de que o aluno estava no espectro autista. A jurisprudência deixa claro que isso é irrelevante diante do fato de que há um comportamento considerado inadequado ao ambiente escolar pela própria instituição. Neste caso, caberia à escola investigar as razões de tais comportamentos junto à família e participar da evolução do aluno e eventuais tratamentos. Como diz o Tribunal, “para isso existe na escola os orientadores educacionais, além de professores”.
Outra questão comum a muitas famílias com crianças atípicas, sejam autistas, com síndrome de down ou TDAH entre outras condições diferenciadas, é a culpabilização dos pais. A decisão é clara ao falar que a escola jamais poderia alegar falha ou omissão dos pais para justificar o que considera uma deficiência: os serviços educacionais prestados pela escola que praticou o ato ilícito.
A Justiça considerou que a atitude adequada perante a Lei de uma escola é a inclusão e não a exclusão. No caso, o cancelamento da matrícula e o fechamento das portas da escola a uma criança autista.
A atitude da escola, além de não atender a missão pedagógica inerente a uma instituição de ensino, foi considerado ilegal por contrariar convenções internacionais, a Constituição e a Lei de Diretrizes Básicas da Educação. Além de ser considerada uma ofensa ao bem-estar, repita-se, de uma criança.
O caso chegou ao STJ após a escola haver sido derrotada na primeira e segundas instâncias judiciais. Após a confirmação da condenação pelo Tribunal de Justiça, o colégio teve seu recurso especial negado, sem julgamento de mérito. Contrariada com esta decisão que contrariava suas pretensões, a escola recorreu ao STJ para sofrer mais uma derrota judicial, ao ver confirmada a decisão negando prosseguimento ao recurso.
Assim, mais um passo foi dado nesta luta por justiça que vem se arrastando desde 2014. Após perder na primeira instância, a escola já apresentou 3 recursos, sendo derrotada em todos eles.
Esta última decisão acontece no mesmo mês em que uma pessoa cadeirante se viu obrigada a defender seus direitos até o STJ para poder ser ajudada pelos funcionários do condomínio onde mora. As mais altas esferas da Justiça tem sido chamadas para garantir os mais elementares direitos das pessoas com deficiência, seja o de mover-se livremente, seja o direito à educação.
Por mais que nos pareça anacrônico, em pleno século XXI, ainda há quem lute ferrenhamente pelo direito de excluir.