- A Lei n.13.185/2015 instituiu um programa de combate ao perseguição sistemática (bullying), mas as escolas públicas e as privadas, diante desta lei, pouco fizeram.
Vou dar um exemplo:
Uma cliente me procurou porque suas filhas estavam sofrendo bullying na escola sem que a escola tomasse providência. Esta minha cliente, responsável legal das alunas registrou vários Boletins de Ocorrência que também não tiveram efeito (naquele momento bullying não era tipificado), qual foi a saída da mãe? Sem amparo, resolve não levar mais as filhas na escola, visando assegurar a segurança física e emocional das alunas.
Em nossa legislação de ensino a escolaridade é obrigatória de 4 a 17 anos, de modo que a responsável legal ficou em uma situação muito difícil e a escola, em função das ausências, reprovou as alunas por frequência, mesmo sendo possível, em última instância, adotar atendimento pedagógico domiciliar ou analisando o processo de ensino/aprendizagem que, por serem superdotadas, era mais do que satisfatório.
Como consultora educacional fui acionada pela responsável legal para reverter a reprovação indevida porque não houve por parte da escola uma ação pedagógica para prevenir e/ou impedir a violência da perseguição sistemática para com as alunas e uma reprovação praticada sem que a escola tivesse auxiliado estas alunas é indevida e deve ser revertida.
A escola, mesmo diante de um pedido de reconsideração proposto pela responsável legal, fundamentado em fatos contundentes e em argumentos pedagógicos e jurídicos, manteve a reprovação. De modo que foi necessário interpor Recurso junto a Secretaria de Educação do município. Diante do Recurso, a Secretaria de Educação manifestou-se favorável a tese apresentada com a aprovação das alunas.
Todo este processo teria sido evitado, suponho, com a Lei 14.811/2024 que responsabiliza o poder local e a escola a agir na defesa da vítima de bullying ou cyberbullying.
2. Quanto a criminalização das crianças e adolescentes e a visão punitivista da lei
Este é o aspecto polêmico. No meu entendimento foi preciso tipificar o bullying e o cyberbullying. Não teria sido necessário se as escolas e o poder público tivessem agido com vigor e rigor na prevenção. Mas como pouco foi feito, as vítimas de bullying e cyberbullying sofrem as consequências anos a fio, tais como: pânico de ir a escola, ideação de suicídio e depressão. Ao deixarem de ir a escola, reprovam por frequência e também por desempenho acadêmico e acabam evadidos do sistema escolar. São vitimadas pelos agressores e, ao mesmo tempo, pelo sistema educacional. Esta hostilidade sem fim precisava ser detida e, a meu ver, a Lei 14.811/2024 faz esta tentativa.
O bullying ou cyberbulling faz sofrer a vítima e destrói muitas vezes a família. Esta perseguição sistemática é cruel e foi bem relatada no livro Bullying: uma vida importa? da autora Lucia Helena, cujo prefácio tive a honra de escrever. Leiam aqui do que se trata. https://www.soniaranha.com.br/bullying-uma-vida-importa/
3. O que deve fazer o responsável legal de filhos vítimas de bullying ou cyberbullying
O bullying foi tipificado da seguinte forma no Código Penal:
Art. 146-A. Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais:
Não é algo pontual, mas contínuo, todo o dia, dentro e fora da escola, Periodicamente mensagem com o seguinte teor:
” Por que você não morre?” “Já se matou?” “Ninguém sentirá a sua falta”. ” Você é horrível.”
É preciso gerar provas: gravações, print de mensagens feitas por redes sociais ou whatsaap, imagens, vídeos. Os responsáveis legais devem instruir seus filhos a contar a respeito para que não sofram calados.
O responsável legal do (a)(e) aluno (a) (e) deve também formalizar a denúncia de bullying ou cyberbulling por escrito, gerando protocolo. Pode ser entregue por e-mail, ou por whatsaap, Levar ao conhecimento da escola (orientação educacional, direção pedagógica), sempre por intermédio de documento escrito.
Se a escola nada fizer, convoque o Conselho Tutelar e, se mesmo assim providências não forem tomadas, faça denúncia junto ao Ministério Público do seu Estado.
4. O que deve fazer a escola de aluno (a) (e) que denunciou que está a sofrer bullying ou cyberbullying de outros alunos da escola
Antes que o pior ocorra e atendendo os arts 2o e 3o da Lei n.14.811/2024 é preciso instituir no calendário escolar um programa de combate ao bullying ou cyberbullying com atividades educativas periódicas e especificas envolvendo alunos, professores, funcionários e responsáveis legais dos (as) (es) alunos (as) (es), como também chamar os vizinhos , a comunidade no entorno da escola.
É preciso também instituir junto ao corpo docente formação contínua a respeito do significado e de todas as implicações do crime de bullying ou cyberbullying.
Esse programa de formação e de educação deve ser instituído no ano letivo de 2024, já que a Lei 14.811/2024 está a valer.
Feito isso e recebendo denúncia, instaure um processo ouvindo todos os envolvidos, chamando os responsáveis legais e mediando a situação de tal forma a evitar uma judicialização. Lembrando que a escola é responsável, segundo a lei, de tomar providências, mas cuidado, expulsar aluno não é a escolha pedagógica aceitável, é preciso ser agente de mudança na formação dos seus alunos com autoridade e vontade política de fazer a diferença.
As escolas públicas e as privadas tem a OBRIGAÇÃO de intervir na formação de seus alunos para cumprir a função social da escola à luz da Constituição Federal que declara em seu Art.3o incisos I e IV os objetivos da República Federativa do Brasil:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Deixar de prevenir, deixar de assistir, deixar rolar, não intervir contra o crime de bullying ou cyberbullying.(que ocorra com alunos da mesma escola) no meu entendimento, faz com que a escola seja co-autora do crime e, portanto, poderá ser responsabilizada enquanto tal.
Diante de aluno ou aluna vítima de bullying ou cyberbullying que não quer frequentar a escola em função do medo e ou do trauma da violência que sofreu e com acompanhamento psicológico, a escola pode oferecer Atendimento Pedagógico Domiciliar visando atender pedagogicamente o aluno, sem que este precise frequentar o espaço físico da escola, evitando a reprovação por frequência e a evasão escolar.
Por outro lado, é preciso também prever no Regimento Escolar sanção disciplinar para os agressores a respeito do bullying ou cyberbullying, sem esquecer dos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, lembrando ainda que EXPULSÃO só pode ser feita se houver um processo muito bem definido e apoiado no princípio da dignidade humana de todos os envolvidos.
O agressor também é criança e/ou adolescente e goza de todos os direitos que lhe são concedidos pela Constituição , pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela legislação de ensino.
5. O que deve fazer o responsável legal de filhos agressores e autores de bullying ou cyberbullying
Ditado popular : ” Prevenir é melhor do que remediar”. Sabendo, portanto, que a Lei 14.811/2024 foi sancionada e que tipificou no Código Penal bullying ou cyberbullying como crimes, com urgência é preciso conversar com os filhos e filhas, crianças e/ou adolescentes, sobre a gravidade de xingamentos somados a perseguição sistemática a qualquer colega de classe ou da escola.
Se caracterizado o bullying ou cyberbullying praticado pelo seu filho ou filha e, sendo menores de 18 anos, a punição está prevista enquanto ato infracional estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Então, perseguir colega de classe ou escola, com mensagens periódicas de xingamento ” feia! ” – “Gorda, baleia!” – “Morra!” e afins é CRIME! Não é brincadeira, ao contrário, é MUITO SÉRIO, e pode ter consequências nefastas para seus filhos ou filhas.
Identificado o bullying ou cyberbullying é preciso intervir energicamente para evitar o pior:
- Iniciando com conversas para saber: quando, como, com quem (coletivo) as agressões iniciaram e contra quem foram dirigidas;
- Identificar qual a parcela de participação de seu filho ou filha no bullying ou cyberbullying no caso de mais de um participante;
- Verificar as mensagens trocadas no whatsaap ou nas redes sociais,fazendo print, comunicar a escola, retratando-se com a vítima e com seus responsáveis e, sobretudo, fazer com seu filho e filha agressores se retratem também;
- Pedir auxílio da escola para intervir com ações educativas, preservando a identidade dos agressores, evitando constrangimentos, mas no sentido de fortalecer os princípios da igualdade e fraternidade
- E por último, se o caldo entornar, consultar-se com um advogado criminalista.
Profa. Sônia Aranha – pedagoga, com mestrado em Educação Especial e Inclusiva, formada pela Unicamp e Bacharela em Direito, tem trabalhado ativamente na promoção da inclusão de estudantes com necessidades educacionais especiais e na garantia dos direitos estudantis. Contato: saranha@mpcnet.com.br