A anuidade escolar é composta por meio de uma planilha de custos que inclui todos os custos envolvidos na manutenção de uma escola nos 200 dias letivos.
Mas se, excepcionalmente e em função da pandemia e da Medida Provisória n.934/2020, a escola encerrar o ano letivo com 160, 100 ou mesmo 135 dias de efetivo trabalho escolar, realizado por meio eletrônicos, tais como: e-mails, vídeos aulas, plataforma moodle, dentre outros, o que acontece com o valor da anuidade?
Ou ainda, se a escola mantiver, mesmo com a possibilidade de reduzi-lo, o calendário de 200 dias letivos, utilizando para isso o ensino a distância, o valor da anuidade será mantido pelo Contrato de Prestação de Serviço assinado no início do ano letivo?
Este é um GRANDE problema.
De um lado estão os pais com filhos em casa, monitorando os estudos que chegam por via de meios eletrônicos e pagando o valor das parcelas da anuidade escolares de R$ 16.000,00, R$ 5.000,00, R$ 1.500,00, R$ 800,00 ou R$ 300,00 e do outro lado estão as escolas que precisam garantir a folha de pagamento e todos os demais custos provenientes da manutenção de uma escola privada.
É bom lembrar que estamos falando de uma pandemia que segundo a UNESCO levou 87% das crianças no mundo a se afastarem de suas salas de aula.
Ainda refrescando a memória: no Brasil muitas escolas suspenderam as aulas voluntariamente em 16/03, outras uma semana depois,como é o caso da rede pública municipal de Campinas que suspendeu no dia 20/03 e outras ainda seguiram a quarentena oficial de 24/03 do Estado de São Paulo. Mas considerando 24/03 como início da quarentena oficial, significa que completamos 11 dias letivos que foram suspensos em todo o país.
Se fosse só esse período,eu não estaria aqui para pensar na problemática que se instaura entre pagamento das parcelas da anuidade x isolamento social, porque ao levar em consideração que na Itália o isolamento social completou ontem (02/04/2020) 25 dias e sem previsão de acabar, parece aqui enfrentaremos o mesmo na melhor das hipóteses.
Para se ter uma ideia da projeção dos órgãos públicos: a rede pública de ensino municipal de Campinas iniciará o ensino a distância, por intermédio da plataforma Google Sala de Aula, a partir do dia 20/04 e a Unicamp prolongou a suspensão de suas atividades para 30/04. De modo que o período de isolamento, a meu ver, será prolongado, talvez, até o final de Maio.
De modo que diante deste problemão que estamos a viver, com consequência de desemprego em massa, rebaixamento de salários, receitas de empresas minguando, não deveria ocorrer também uma negociação para um reajuste do valor das anuidades caso o isolamento social permaneça por mais tempo? Afinal os alunos não estão usufruindo da infraestrutura escolar (alimentação, biblioteca, laboratórios, parques, piscina, quadra esportiva, etc…) e estão confinados em casa, sendo monitorados pelos pais que para piorar a situação estão em home-office.
Na planilha de custo de uma escola está incluso a folha de pagamento que em geral corresponde a 59% ou um pouco mais de 60 a 62% da receita mensal, o restante corresponde a luz, tributos, água, aluguel, internet, telefones, material de limpeza, manutenção geral do prédio (hidráulica, eletricidade, ajustes e consertos) material de escritório, material didático, dentre outros. Mas se a comunidade escolar não está frequentando o espaço/prédio, os custos variáveis tendem a cair, ao contrário dos custos fixos, como por exemplo a folha de pagamento, que permanecem inalterados.
Então, o que fazer se o isolamento for prolongado? É possível deixar de pagar a anuidade já que os alunos estão em casa? Não. É possível pagar menos em função da redução dos dias letivos? Não. É possível diminuir o valor da anuidade porque as aulas estão ocorrendo em EAD? Também não.
Neste momento só há negativas para as perguntas dos pais dos alunos, mas se a escola não flexibilizar, poderá acordar com um nível de inadimplência tão alto que decretará falência.
O que dá para fazer?
Negociar.
Esta é a palavra-chave.
Não tem apenas um lado com razão e o momento também é o da solidariedade, porque todos precisam de ajuda.
Negociar, porque o momento é da excepcionalidade, de tal forma que levou a Secretaria Nacional do Consumidor, por intermédio da Coordenação Geral de Estudos e Monitoramento de Mercado, ficar temerosa e a publicar Nota Técnica n.º 14/2020 (ler aqui na íntegra) que,dentre outras coisas, diz:
“(…) as entidades de defesa do consumidor devem buscar tentativa de conciliação entre fornecedores e consumidores no mercado de ensino para que ambos cheguem a um
entendimento acerca de qualquer uma das formas de encaminhamento da solução do problema sugeridas acima (oferta de ferramentas online e/ou recuperação das aulas, entre outras), sem que haja judicialização do pedido de desconto de mensalidades, possibilitando a prestação de serviço de educação de acordo com as diretrizes do Ministério da Educação.”
Além disso, está tramitando no Senado,com grandes chances de ser aprovado, Projeto de Lei N° 1179/2020 que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do Coronavírus (Covid-19) que delimita os efeitos jurídicos da pandemia em 20/03/2020, faz uma série de propostas, mas o que nos interessa aqui:
Art. 6º As consequências decorrentes da pandemia do Coronavírus (Covid-19) nas execuções dos contratos, incluídas as previstas no art. 393 do Código Civil, não terão efeitos jurídicos retroativos.
Mas o que diz Código do Civil o Art. 393 citado acima:
“O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”
Segundo o PL, parece-me que o devedor não responderá pelos prejuízos que ocorreram em relação ao Covid-19 a partir do 20/03/2020, antes terá que responder.
Por exemplo: o Contrato de Prestação de Serviço firmado antes da pandemia está vigorando e terá que ser cumprido em sua íntegra. Será que é isso mesmo?
Lembremos que estamos aqui a conjecturar porque, neste caso, trata-se ainda de um Projeto de Lei não aprovado, mas ilustra bem o que haveremos de nos deparar daqui pra frente. Todos os dias uma novidade ao meio deste pandemônio.
No momento quais possíveis alternativas:
Redução do valor da anuidade
Algumas escolas conseguiram reduzir em 30% o valor das parcelas da anuidade, como é o caso da escola Saint Paul’s na capital do Estado de São Paulo,porcentagem inclusive sugerida por alguns Projetos de Lei que estão tramitando em Câmaras Legislativas Estaduais. É uma boa saída principalmente se o período de isolamento se estender por mais de 30 dias.
Antecipar as férias escolares
Antecipar as férias é possível em um cenário que o período do isolamento não seja muito longo. A maioria das escolas paulistas seguiu orientação do Sieeesp (Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo) apesar da manifestação em contrário do Sinpro (Sindicato dos Professores de São Paulo) e antecipou as férias iniciando em 1 de Abril.
Com a antecipação das férias os pais efetivarão o pagamento da parcela da mensalidade sem ter direito a nenhum tipo de protesto. Mas se o isolamento se estender para o mês de Maio, o problema continuará e outras medidas deverão ser pensadas em conjunto.
Reduzir o calendário escolar e encerrar o ano letivo
É possível reduzir o calendário escolar segundo a Medida Provisória n.934/2020 (leia aqui e (aqui) e encerrar o ano letivo sem ter que vencer os 200 dias letivos, desde que seja garantida a carga horária anual de 800 horas/aulas. Esta pode ser uma estratégia a considerar se o isolamento for prolongado.
Em Wuhan, na China, o isolamento completou 60 dias em 22 de Março e o isolamento social tem previsão de suspensão em 8 de Abril, no entanto, estudos apresentados pela revista científica inglesa The Lancet Public Health (aqui), recomenda que o melhor seria manter a quarentena e permanecer pelo menos com mais um mês para que uma segunda onda, se vir a ocorrer, chegue apenas em outubro.
No Estado de São Paulo a quarentena foi oficializada pelo Governo Estadual a partir de 24/03, de modo que até o momento (3/04) completa-se 11 dias e com previsão de término para o dia 7/04, mas suponho que será prorrogada em função do avanço do contágio. Então, se for prorrogada por mais quinze dias chegaremos em meados de Abril e talvez consigamos sair do isolamento com maior segurança em Maio, não sabemos.
Negociar aporte financeiro junto ao Governos Municipais, Estaduais ou Federal
Se o isolamento social permanecer por um longo período,isto é, para além das férias antecipadas, as escolas menores não terão fôlego financeiro, principalmente as escolas de Educação Infantil, porque não podem justificar semanas de interrupção de aula com EAD ou podem? Eu penso que não.
De modo que devem pressionar os Sindicatos e/ou Confederação das escolas privadas a negociar com os Governos visando obter um aporte financeiro.
Diante de tantas incertezas o melhor a ser feito neste momento é negociar, seja com o dono do imóvel da escola para reduzir o aluguel, seja com o mantenedor da escola para reduzir o valor das parcelas da anuidade, seja com os responsáveis legais dos alunos para manterem o pagamento das parcelas da anuidade, seja com os Governos para socorrer as escolas com menor força financeira a fim de aguentarem o baque. Todos devem dar a sua contribuição.
Leiam ainda o artigo da Dra. Claudia Hakim a respeito do tema (aqui)