Bruno Bettelheim (1903-1990), reconhecido em todo o mundo como um dos maiores psicólogos infantis, acatado principalmente por seu trabalho com crianças autistas, escreveu A Psicanálise dos Contos de Fadas livro muito difundido entre os educadores brasileiros na década de 80 do século XX.
Antes dos estudos de Bettelheim, os contos de fadas jazeram esquecidos, desprezados e banidos sob a alegação de irreais e selvagens, em vista de suas tramas sempre altamente dramáticas. Depois que a psicanálise desmistificou a inocência e a simplicidade do mundo da criança, os contos de fadas voltaram a ser lidos e discutidos , justamente por descreverem um mundo pleno de experiências, de amor, mas também de destruição, de conflitos e ambivalências.
Os contos de fadas fornecem escapes necessários falando aos medos internos da criança, às suas ansiedades e ódios, seja como vencer a rejeição (como em “João e Maria” ), ou os conflitos edípicos com a mãe (como em “Branca de Neve”) , ou a rivalidade com irmãos (como em “Cinderela”), os sentimentos de inferioridade (como em “As Três Plumas”).
Os contos incutem a coragem na criança, mostrando-lhe que é sempre possível encontrar saídas; finalmente os contos consolam e muito o “final feliz”, que tantos adultos consideram irreal e falso é a grande contribuição porque encorajam à luta por valores amadurecidos, desenvolvendo a moral e uma crença positiva na vida.
Leiamos a Introdução que Bettelheim fez para o seu A Psicanálise dos Contos de Fadas
Bruno Bettelheim
Psicanálise dos Contos de Fadas
Lisboa, Bertrand Editora, 1991
Excertos adaptados
Por: Tapete dos Sonhos
A luta pelo sentido
Se queremos viver não somente de momento a momento, mas na plena consciência da existência, então a nossa maior necessidade e a nossa mais difícil realização é encontrarmos um sentido para a vida. É sabido que muitos perderam a vontade de viver e que cessaram até de tentar fazê-lo porque a vida deixou de fazer sentido para eles. A compreensão do sentido da vida de cada um não se adquire de repente, em determinada idade, nem mesmo quando já tivermos chegado à maturidade cronológica. Pelo contrário, a maturidade psicológica consiste na aquisição de uma segura compreensão do que pode ou deve ser o sentido da nossa vida. E esta realização é o resultado final de uma longa evolução: em cada estádio procuramos, e temos de encontrar, um mínimo de sentido, adequado à forma como o nosso espírito e a nossa compreensão já evoluíram.
Hoje, como em tempos idos, a mais importante e a mais difícil tarefa na educação de um filho é ajudá-lo a encontrar um sentido para a vida. Para se conseguir isso são precisas muitas experiências de crescimento. Enquanto se desenvolve, a criança tem de aprender, passo a passo, a compreender-se a si própria; com isso ficará apta a compreender os outros e, eventualmente, a relacionar-se com eles por vias mutuamente satisfatórias e significativas.
Como educador e terapeuta de crianças com severas perturbações, a minha principal tarefa era restituir-lhes um sentido para as suas vidas. Se as crianças são educadas de forma a que a vida para elas tenha significado, não precisam de uma ajuda especial. Vi-me confrontado com o problema de deduzir quais as experiências que, na vida de uma criança, eram mais adequadas para promoverem a sua capacidade para encontrar um sentido na vida; para dotar a vida em geral de maior sentido. Relativamente a esta tarefa, nada é mais importante do que o impacto dos pais e dos que tomam conta das crianças; a seguir, em importância, vem a nossa herança cultural, quando transmitida à criança de forma acertada. Quando as crianças são pequenas, é a literatura que da melhor maneira contém essa informação.
Sendo assim, tornei-me profundamente desgostoso com muita da literatura destinada a desenvolver o espírito e a personalidade da criança, porque não estimula nem alimenta os recursos de que ela mais necessita para enfrentar os difíceis problemas interiores. A esmagadora maioria da “literatura infantil” tenta divertir ou informar, ou ambas as coisas. Mas a maior parte destes livros são tão frívolos de substância que muito pouco de significativo se aprende com eles. A aquisição de habilidades, incluindo a capacidade de leitura, perde o valor quando o que se aprende não acrescenta nada de importante à nossa vida.
Nestes e noutros aspectos, em toda a “literatura infantil”, com raras excepções, nada é mais enriquecedor e satisfatório, quer para a criança quer para o adulto, do que o popular conto de fadas. É verdade que, a um nível inicial, os contos de fadas ensinam pouco sobre as condições específicas da vida da sociedade moderna de massas; estes contos foram criados muito antes desta sociedade aparecer. Mas podemos aprender mais coisas com estes contos – sobre os problemas interiores dos seres humanos e as soluções acertadas para as suas exigências, do que em qualquer outro tipo de história que esteja dentro do âmbito da compreensão das crianças.
Exactamente porque a sua vida é muitas vezes desconcertante, a criança precisa mais do que ninguém que lhe dêem a possibilidade de se compreender a si própria neste complexo mundo que vai enfrentar. Para poder fazê-lo, tem de ser ajudada a criar um sentido coerente no meio do turbilhão dos seus sentimentos. A criança precisa de ideias sobre como pôr a casa interior em ordem e, nessa base, conseguir dar um certo sentido à sua vida. Precisa – e quase não é necessário dar ênfase a isto – de uma educação moral em que, com subtileza, se lhe transmitam as vantagens de um comportamento moral, não através de conceitos éticos abstractos mas através do que parece palpavelmente acertado e, portanto, com sentido para ela.
Ora, os contos de fadas são portadores de mensagens importantes para o psiquismo consciente, pré-consciente ou inconsciente, qualquer que seja o nível em que funcionem. Lidando com problemas humanos universais, especialmente com os que preocupam o espírito da criança, as histórias falam ao seu ego nascente, encorajando o seu desenvolvimento e, ao mesmo tempo, aliviam tensões pré-conscientes ou inconscientes.
Quanto mais eu tentava compreender porque têm estas histórias tanto êxito no enriquecimento da vida interior da criança, mais intuía que elas, num sentido mais profundo do que qualquer outra leitura, “atingem” a criança no seu núcleo psicológico e emocional. Falam das severas tensões interiores de uma maneira que a criança inconscientemente compreende e – sem menosprezar as sérias lutas internas que o crescimento implica – proporcionam exemplos de soluções, tanto temporárias como permanentes, para as dificuldades mais prementes.
A minha esperança é de que uma compreensão apropriada dos méritos ímpares dos contos de fadas possa levar pais e professores a conferir-lhes outra vez o papel central que eles desempenharam durante séculos na vida da criança.
Gracias por esta publicación, es un buen articulo para tenerlo en cuenta al trabajar con infancia y por que no, con adultos.
Abrazo
Elena , muchas gracias !
Abraços e beijos em Montevideu.