Fotógrafa: Sarah Torres
Fonte: Assembleia Legislativa de Minas Gerais
“Não trabalhamos com esse tipo de criança. A escola não pode parar para se ajustar à sua filha. Pra que matricular, se ela não vai aprender? Não há nada que essa escola possa fazer por ela.” Justificativas como essas foram ouvidas por pais que não conseguiram matricular seus filhos com algum tipo de deficiência em escolas particulares de Belo Horizonte.
O relato foi feito por Mariana Rosa, mãe de uma criança de 6 anos com paralisia cerebral, durante audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada nesta terça-feira (22/10/19). Aplaudida de pé, ela contou que somente após “seis duras negativas”, conseguiu que a filha frequentasse a escola.
Ana Paula Linhares, mãe de um autista com altas habilidades, denunciou que teve a matrícula de seu filho rejeitada. Aos 9 anos, ele tem notas acima de 80% em todas as matérias e já cursa o 4º ano do Ensino Fundamental – a última série oferecida pela atual escola. “Todas as outras 12 crianças foram aceitas pelo convênio, menos o meu filho”, denunciou.
O deputado Professor Cleiton (PSB) contou que é pai de um menino especial, com dislexia e deficits de atenção e de aprendizado. Ele também recebeu uma negativa ao tentar matricular seu filho em uma escola particular católica no início do ano. Segundo ele, em vez de incluir, as escolas da Capital estão promovendo a exclusão. “A principal preocupação das escolas é com o ranking do Enem. Chega de exclusão, de política higienista”, enfatizou.
O deputado Professor Wendel Mesquita (Solidariedade) afirmou que fechar as portas para alunos com deficiência é inadmissível. “É um retrocesso, uma falta de respeito”, destacou. “São vários casos, em inúmeras escolas. Usam o artifício da seleção, mas na verdade estão burlando a lei”, completou o deputado Zé Guilherme (PRP). Ao defender o direito dos alunos, o deputado Doutor Paulo (Patri) chegou às lágrimas.
A ausência de representante do Conselho Estadual de Educação e, especialmente, de diretores de escolas foi criticada pelos deputados e por vários participantes da audiência. Foram convidados para a audiência os diretores dos colégios Bernoulli, Dom Silvério, Loyola, Santa Maria e Santo Agostinho, todos de Belo Horizonte. A direção do Colégio Santa Maria enviou a psicóloga Ana Rita Siqueira como representante, mas ela optou por não se pronunciar.
O que fazer – “Recusa de matrícula é crime. Tem que chamar a polícia e lavrar boletim de ocorrência”, orientou o defensor público Estevão Carvalho, coordenador da Defensoria Especializada do Idoso e da Pessoa com Deficiência. Segundo ele, nos últimos anos, a defensoria vem recebendo um número crescente de denúncias relativas à rede particular de educação.
A promotora de justiça Carla Lafetá destacou que é importante acionar o Ministério Público, que há dois anos conta com uma promotoria especializada em educação. “Muitas mães nos procuram, mas poucas têm coragem de formalizar a queixa. Vale lembrar que não apenas o próprio filho poderá ser beneficiado, mas várias outras pessoas”, afirmou.
Entidades se articulam na busca por soluções
Para tentar reverter a situação, a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência aprovou requerimento para realização de uma reunião no Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais com a presença de diretores de instituições de ensino, defensores e promotores.
A ideia é estabelecer um diálogo que permita a inclusão das pessoas com deficiência nas escolas, como prevê a lei. Nesse encontro, a Defensoria Pública e o Ministério Público farão recomendações formais aos estabelecimentos. Também foi aprovada uma moção de repúdio ao Conselho Estadual de Educação pela ausência na audiência pública.
O defensor público Luís Renato Pinheiro, coordenador adjunto da Comissão Especial do Direito da Pessoa com Deficiência, anunciou a criação de um fórum multidisciplinar de educação inclusiva no final de novembro. Segundo ele, o fórum será coordenado pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público e contará com a participação de várias instituições. “Queremos criar soluções para que a lei seja efetivamente implementada”, afirmou.
A presidente do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais, Zuleica Ávila, comprometeu-se a procurar diretores das escolas de Belo Horizonte para tratar a questão da inclusão e orientar em relação às negativas de matrículas. Destacou o papel de formação do sindicato no oferecimento de cursos para educadores e afirmou que o número de alunos com deficiência cresceu 33% no Brasil, passando de 886 mil para 1,2 milhão, entre 2014 e 2018.